
14 de março de 2021
Ao final do dia começo a sentir contrações já com alguma dor. Começam a aparecer cada vez menos espaçadas. Suportáveis ainda.
Deitada e com o Tiago do meu lado digo que acho que está a ficar na hora de irmos para o hospital. De olhos brilhantes diz-me que então temos que ir. Há semanas que anda com as tensões pra lá de 16. Quer ir rápido mas a minha paz de final de gravidez faz com que queira tomar um banho calmamente e coma uma picanhazinha preparada pela minha mamã antes de ir. Está tudo nervoso e atarantado, eu estou feliz e numa paz inexplicável.
Quem me conhece sabe que sempre fui medricas e engravidei a achar que não era capaz de passar por um parto… Mas naquele momento só sentia amor e serenidade. Era a hora de conhecê-la. Conhecer a menina com que sempre sonhei.
Carregamos o carro com as malas, dei entrada nas urgências mas o Tiago ficou cá fora mais uma vez… A palavra “covid” ecoava nos corredores, nas televisões, nas mensagens que passavam no rodapé do monitor que indicava os tempos de espera.
A covid-19 roubou-me o direito de ser acompanhada pelo pai da minha filha. Sou incapaz de apagar da memória a tristeza que via nele quando tinha que ficar do lado de fora do hospital.
Quis Deus que uma semana antes do parto mudassem as regras e que o papá da Julieta pudesse acompanhar-me durante o trabalho de parto.
Assim que decidem internar-me dão ordem ao papá para subir. Tinha 3 cm de dilatação e muito pouco líquido amniótico. Fizemos teste à Covid com a cotonete mais grosso que tinham lá. Duas horas depois de nos tocarem nas entranhas do cérebro disseram-nos que, graças a Deus, estávamos negativos!
15 de Março de 2021
40 semanas certinhas. Fiz cintas e por volta da meia-noite deram-me a epidural… As contrações intensificaram-se e tornaram-se dolorosas mas nem sempre eram detetadas pela maquineta… Pedia mais epidural mas ela demorava a chegar porque supostamente não estava com contrações que justificassem. Horas depois perceberam que a máquina não as detetava porque tinha “uma barriga difícil” como diziam simpaticamente.
A barriga difícil é o resultado de uma bariátrica (felizmente bem sucedida) que me fez perder mais de 50kg… A pele em excesso não permitia a monitorização correta das contrações. Senti muitas contrações ao nível de “subir paredes” mas foram as dores mais bonitas que algum dia pude sentir. Não me revoltei com os profissionais de saúde, aproveitei para sentir a natureza a trabalhar.
Enquanto a epidural atuava e dava uma “mãozinha” aqui à queixosa, ia aproveitando para descansar.
O Tiago não arredou pé e não me largou a mão. Com muita insistência minha lá dormitou qualquer coisinha num cadeirão.
De manhã perguntam-me a que horas me tinha rebentado as águas. Não dei por nada mas o líquido era quase nulo, a Julieta estava subida e teimava em não descer. Disseram que até às 16:00 tinha que nascer.
Passei a manhã a ser observada por várias pessoas. Eram cerca das 14:30 e estava com a dilatação completa. Disseram-me que estava na hora de fazer força para nascer. Não sentia vontade de fazer força nenhuma nem tinha os puxões que eles tanto falavam.
Pensaram em fazer a manobra de Kristeller mas acharam que podia não correr bem pela bebé ser “muito pequenina” (até então nunca me tinham informado sobre isso apesar de ser expectável tendo em conta o bypass gástrico).
Ao observarem-me acharam estranho não conseguirem monitorizar o coração da Julieta mas culpavam a minha “barriga difícil” mais uma vez. Procuraram, procuraram e não conseguiam encontrar batimentos. Gelei. Passaram-me para outra maca e correram comigo para o bloco. Era necessário fazer uma cesariana porque o bebé podia não estar bem. [O Tiago não pôde então cumprir o sonho de ver a filha a nascer]. Em instantes estava rodeada de uma imensidão de profissionais de saúde. Fiquei assustada.
Senti-me num filme. Ouvi ao fundo:”rápido, rápido. Bebé em perigo”. Senti pânico, desespero. As tensões dispararam.
A voz doce de uma anestesista pediu que me acalmasse e perguntou se queria alguma coisa que me fizesse ficar mais tranquila. Injetou qualquer coisa e as memórias a partir daí são quase nulas.
Ainda meia anestesiada ouvi um choro ao fundo e o meu coração teve a certeza que era ela. Enquanto me cosiam, mostraram-ma. Chorei. Senti uma felicidade e uma gratidão incomensuráveis.
Não foi o parto natural com que sonhei 40 semanas mas ela estava ali saudável, a mamar nas minhas maminhas e nada mais importava.
Não tive o parto de sonho, não fiz contacto pele com pele e já só vi a Julieta vestida. Nem tudo foram rosas e demorei uns meses a encaixar o que tinha acontecido. Encaixei e hoje agradeço a prudência das obstetras. Arriscar podia ser deitar tudo a perder. Não aguentaria.
Tudo isto para vos dizer que a menina com quem sempre sonhei nasceu de mim às 15:22 do dia 15 de março de 2021 com 2740kg e 48 cm.
A Julieta é a minha gargalhada e a traquinice do papá. A minha Julieta é alegria, é amor, é afeto, é esperança. É a menina que dá os abraços mais gostosos do planeta, é a menina que faz babar os avós, é a menina da madrinha, é a ganchinha mais nova e a mais regateira.
Podia dizer aqui uma série de frases feitas e clichês que toda a gente já sabe de cor mas só tenho a dizer que há um ano conheci o amor mais forte, mais genuíno, mais avassalador que algum dia senti. [Ok, também parece clichê mas é o que sinto].
Parabéns minha Julietinha. Que sejas sempre uma menina cheia de saúde e muito feliz. Farei de tudo para que assim seja.
Eu digo-te todos os dias mas hoje quero reforçar: a mamã ama-te. Muito! ❤️🌈